A atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, ouviu vários apelos do povo Kayapó na cerimônia de lançamento da publicação da tradução da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) na língua Mebengôkré-Kayapó. A cacica da aldeia Baú, Panh Ô Kayapó, Diretora Financeira do Instituto Kabu, elogiou a iniciativa do Supremo de fazer a publicação, mas ressaltou: “Olha o que vocês estão fazendo com a Convenção. No projeto da Ferrogrão não estão cumprindo”.
A Convenção 169, ratificada pelo Congresso brasileiro e em vigor há quase 20 anos, garante o direito de consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas quando projetos de infraestrutura possam impactar seus territórios e seus modos de vida. O projeto da ferrovia nunca foi submetido à consulta dos Kayapó e de outros povos que serão afetados. A Terra Indígena Baú fica a 32 quilômetros do traçado da ferrovia, projetada para baratear o custo de transporte de grãos do Centro-Oeste para os portos do norte do país.
A tese do Marco Temporal, cuja votação será retomada no dia 20 de setembro pelo plenário do STF, também foi motivo de críticas. O chefe Raoni Metuktire pediu para Weber enviar um recado aos outros ministros da Corte: “Não quero que seja aprovado, porque o Marco Temporal vai acabar com os povos indígenas”.
A votação do Marco Temporal está em 4 a 2 contra a proposta de limitar a reivindicação de demarcação de territórios indígenas à data de promulgação da Constituição de 1988. Só poderiam fazer isto os povos que estivessem no território ou que, expulsos de suas terras, estivessem em litígio. Ela não leva em conta o fato de indígenas serem tutelados até a Constituição Cidadã e, portanto, impedidos de entrar na justiça sem a ajuda de terceiros.
Panh Ô fez coro com Raoni: “Queremos que você (Rosa Weber) ajude a não aprovar o Marco Temporal contra nós”.
Cerimônia
Durante o lançamento da publicação, Weber, que foi a primeira a falar por ser a anfitriã, se disse encantada com os cantos das mulheres Kayapó e orgulhosa de estar se dirigindo a uma platéia majoritariamente feminina. Mesmo destacando no discurso que a Convenção “reconhece seus direitos sobre as terras e recursos naturais e os direitos de decidir sobre suas próprias prioridades” ao se dirigir às indígenas e aos indígenas presentes, a ministra falou sobre regulamentação da Convenção (também prevista no Plano de Aceleração do Crescimento – PAC). No entanto, muitos povos e grupos, como os Kayapó Mekrãgnotí, já criaram seus protocolos de consulta coletivamente (acesse aqui o Protocolo de Consulta das aldeias associadas ao Instituto Kabu).
A ministra defendeu ainda a exploração de recursos naturais em Terras Indígenas (TIs) “de forma sustentável” e afirmou estar “convicta de que parte significativa dessa polarização de olhares socioambientais resulta mais da falta de diálogo qualificado entre os interessados e da ausência de métodos racionais de abordagens” Em sua fala, Raoni lembrou que a realidade nas TIs é de invasões e violência: “Garimpeiros e madeireiros estão matando nossa gente. Eu não gosto deles em Terras Indígenas”.
Na mesa do evento estavam duas indígenas: Joênia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a ministra Sônia Guajajara, dos Povos Indígenas (MPI). Além de um representante do Ministério Público Federal e o representante no Brasil da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Joênia ressaltou que a 169 reconhece a coletividade, a diversidade de povos e culturas diferentes existentes no país. “A convenção vem para superar a discriminação. Resta tirar do que está escrito para a ação.” A presidente da Funai ressaltou a necessidade de realizar as consultas de acordo com os Protocolos de Consulta de cada povo por iniciativa própria. Além de alertar para violações cometidas pelo Estado em relação à 169, que tem força de cláusula pétrea da Constituição, Joênia defendeu o protagonismo dos povos indígenas: “Somos plenamente capazes de sermos protagonistas de nossa própria história”, completou.
A ministra Guajajara lembrou que estamos na Década Internacional das Línguas Indígenas e parabenizou o STF e o Conselho Nacional de Justiça pela iniciativa de traduzir importantes documentos legais. “A tradução para a língua Kayapó é mais um avanço e um momento histórico na garantia de acesso”. Além de lembrar que no Brasil “a gente ainda não tem exemplos de que houve um processo de consulta nos modelos da Convenção 169”.