Marco temporal não! Essa é a palavra de ordem mais ouvida na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, na semana do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do marco temporal. Mais de dois mil indígenas, incluindo 45 lideranças Kayapó Mekrãgnoti e Panará filiadas ao Instituto Kabu, estão acampados na capital para acompanhar o julgamento que será retomado nesta quarta-feira (7), depois de um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, em 2021.
A tese do marco temporal – adotada na demarcação da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol – determina que povos indígenas possam requerer terras tradicionais ocupadas ou disputadas até 5 de outubro de 1998, data da promulgação da Constituição. A expectativa pelo julgamento aumentou depois que a Câmara dos Deputados, em mais uma tentativa clara de agredir os direitos dos povos originários, aprovou o texto base do Projeto de Lei 490/07, que confirma a tese do marco temporal antes de o STF concluir a análise do tema. O texto vai agora para o Senado.
“O marco temporal viola os direitos dos nossos povos. E prejudica toda a população porque somos os guardiões da floresta e todos os brasileiros se beneficiam com a proteção das florestas”, defende Doto Takak Ire, presidente do Instituto Kabu. “Não leva em conta o fato de que éramos tutelados até 1988, dificultando disputas. E o pior, abre caminho para questionamento de terras homologadas. É o sinal verde para grileiros roubarem nossos territórios,” completa.
Fotos: Assessoria de Comunicação do CIMI
Semana simbólica – Nesta segunda-feira (5) foi comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente. Em evento no Palácio do Planalto, o presidente Lula lançou com a ministra Marina Silva a nova fase do Plano para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM), anunciou a volta do programa Bolsa Verde e assinou decretos de criação de Unidades de Conservação. O presidente reafirmou seu compromisso de voltar a liderar o combate à crise climática e ao desmatamento na Amazônia. E a reposicionar o país como campeão na transição para uma economia descarbonizada
O cacique Raoni Metuktire, a liderança mais conhecida do povo Mebêngôkré Kayapó quebrou o protocolo e interrompeu o discurso do presidente Lula na cerimônia. Raoni chamou uma liderança indígena para dar seu colar – com seu nome e o logo do Instituto Raoni – para o presidente.
Também nesta segunda-feira foi completado um ano da morte do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, assassinados quando viajavam para entrevistar líderes indígenas e ribeirinhos em comunidades próximas ao Vale do Javari. A data foi lembrada em evento realizado na Maloca da Universidade de Brasília (UnB) com centenas de parentes que estão na cidade para o julgamento do marco temporal. A homenagem foi iniciada com cantos e danças dos Kayapó que pediram Justiça para Dom e Bruno e para os povos indígenas.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, compareceu ao evento e reforçou o coro contra o marco temporal:
“Por que quem invadiu terras vai poder ter regularização fundiária e quem está aqui há milhares de anos, antes desse território ser ocupado pelos portugueses, vai precisar ter limite até 88? É uma injustiça que não tem explicação ética, não tem sustentação política, nem moral. É com essa força moral que nós vamos trabalhar para que a gente tenha a base legal para continuar demarcando. Marco temporal não!”, concluiu.
Na noite desta terça-feira (6), Doto Takak Ire esteve com o cacique Raoni que representava as três associações Kayapó, com advogados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e do Instituto Socioambiental (ISA) em reunião com o ministro Luís Roberto Barroso no STF para reforçar o pedido ao Supremo para não aprovarem o marco temporal.