Cacique Raoni Metuktire: “Todos querem paz”

Representando os mais de 300 povos originários no Brasil, Raoni subiu a rampa do Palácio do Planalto ao lado do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na posse em 1º de janeiro de 2023. Antes de deixar Brasília, o cacique Mebêngôkré Kayapó falou sobre sua participação na posse e seu pedido ao presidente para finalizar a demarcação da Terra Indígena onde ele nasceu.
Cacique Raoni Metuktire: “Todos querem paz”
03.01

Paz. Entre os brasileiros e entre os indígenas e não-indígenas. Era nisso que o cacique Raoni Metuktire pensava enquanto subia a rampa do Palácio do Planalto ao lado do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de posse. “Naquele momento eu fiquei pensando que a presença dele (Lula) ali significava que precisamos ficar em paz. Eu estava representando os indígenas e ele os brancos. Acho que a gente está conseguindo vencer um tempo de conflito. Todos querem paz,” disse o cacique, que é a liderança mais reconhecida do povo Mebêngôkré Kayapó, que vive num bloco de terras contínuas no norte do Mato Grosso e no sul do Pará.

Representando os mais de 300 povos indígenas do país, ele não hesitou quando convidado pelo presidente eleito, no dia 30 de dezembro, a subir a rampa, representando a diversidade do povo brasileiro num grupo de oito pessoas, que incluiu uma mulher negra escolhida para colocar a faixa presidencial em Lula.

“Ele disse sim, nem pensou,” conta o neto Patxon Metuktire, que acompanhava Raoni. O cacique passou por uma cirurgia de coração para colocação de um marca-passo há menos de quatro meses e, apesar de sua idade não ser conhecida, o amigo e sertanista Sydney Possuelo, de 82 anos, calcula que ele seja alguns anos mais velho do que ele próprio e tenha por volta de 84 ou 85 anos.

“Fiquei um pouco preocupado, fiz muitas recomendações à moça que o acompanhava, mas aí ele e o Lula se deram as mãos e ele subiu, firme,” lembra Patxon. Já Raoni ressalta que nunca foi convidado por um Presidente da República para nada parecido. “Acenei para o povo e eles responderam,” contou sorrindo.

Em seu primeiro discurso, ainda no Plenário da Câmara dos Deputados quando foi empossado, o presidente falou de seu compromisso com a reparação para os povos indígenas, de respeito e proteção dos territórios indígenas e do modo de vida dos povos originários. Além de políticas públicas na área ambiental que contribuam para frear a crise climática. 

Os compromissos começaram a se materializar com a nomeação de Joênia Wapichana como nova Presidente da Funai, rebatizada por decreto de Fundação Nacional dos Povos Indígenas. E de Sonia Guajajara como ministra dos Povos Indígenas. As duas assumem empenhadas em finalizar o maior número possível de demarcações nos 100 primeiros dias.

Depois das emoções do dia da posse, Raoni ainda teve energia para prestigiar uma cerimônia promovida por duas associações de servidores, marcando o retorno da Funai à sua missão de proteção dos direitos dos indígenas. De lá, ele seguiu para comparecer à posse do novo Secretário de Saúde Indígena,

Na cerimônia na Funai, Raoni chamou Sônia Guajarara de “filha” e Joênia, que o convidou para vir à posse em Brasília, de “sobrinha”. Na cultura Kayapó os tios são também responsáveis pela formação dos sobrinhos e não há distinção entre filhos e sobrinhos. Joênia foi quem o convidou para vir à posse. “Pessoalmente estou muito contente com as indicações. Já defendia a participação de indígenas no governo,” afirmou Raoni, que espera que isso se reflita em segurança e garantias para “os indígenas lá nas aldeias”.

Demarcação 

Raoni  lembrou que defende os povos indígenas há muito tempo. Ele esteve à frente de todas as grandes lutas dos últimos 50 anos: da demarcação e garantia dos territórios à Constituinte; enfrentou e expulsão de garimpeiros e invasores para demarcar os territórios e viajou pelo mundo para denunciar abusos contra os indígenas e captar recursos para demarcar Terras Indígenas. Nos últimos quatro anos, mesmo tendo ficado viúvo e tido Covid, continuou a usar sua voz e a viajar para chamar atenção para invasões e cooptação de indígenas. E foi o anfitrião em 2020 de uma grande reunião que reuniu vários povos na aldeia Piaraçu, no norte do Mato Grosso.

Mesmo assim, ele ainda não conseguiu que o território onde nasceu tenha tido sua demarcação concluída. Localizada no Mato Grosso, a TI Kapôt Nhinore ainda não teve a conclusão de seu estudo fundiário. O pedido foi feito ao presidente Lula, que, segundo Raoni, concordou e ele espera que a demarcação seja concluída no ano que vem. “Eu mesmo quero trazer a documentação aqui para o presidente assinar a homologação,” disse o cacique.

Garimpo

 “Quero me aproximar mais do Presidente Lula para ajudar. Eu vejo que existem indígenas que deixam os brancos entrarem nas terras para garimpar e para retirar madeira. E os brancos que entram são os que trazem violência. Lula prometeu tirar os kuben (não-indígenas) dos territórios. Ele entrou para isso, prá gente não ter mais problemas”.

No primeiro dia de governo, houve a publicação de uma série de decretos que protegem direitos indígenas e modificam a estrutura das instituições que os afetam. Entre eles, um decreto que restabelece as instâncias de controle do Fundo Amazônia, bloqueado desde 2020; e um que revoga o decreto de fevereiro de 2022 que facilitava o garimpo ilegal, inclusive em Terras Indígenas.