Audiência sobre impactos da Ferrogrão antes mesmo da construção é realizada no Congresso

Lideranças indígenas denunciam desrespeito ao direito de consulta prévia de acordo com seus protocolos de consulta. E denunciam invasões e avanço da soja como resultado da especulação que precede a construção.
Audiência sobre impactos da Ferrogrão antes mesmo da construção é realizada no Congresso
08.12

“É importante deixar claro: Não somos contra o desenvolvimento do Brasil; não somos contra a Ferrogrão. Mas o próprio branco faz a lei e não cumpre.” Com esse desabafo, o Relações Públicas do Instituto Kabu e liderança Kayapó, Doto Takak-Ire, iniciou sua fala, na última terça-feira (6/12), durante a Audiência Pública que debateu “Os impactos da ferrovia Ferrogrão” realizada pela Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia da Câmara dos Deputados.

A fala do líder indígena se justifica pelas tentativas por parte do governo federal de seguir com o projeto da ferrovia que ligará Sinop (MT) a Miritituba (PA)- um trecho de quase 1.000 km – sem realizar a consulta prévia livre e informada a todos os povos indígenas e comunidades tradicionais que podem ser impactados pela obra, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – que tem o mesmo peso de cláusula pétrea da Constituição.

“A gente sabe que este governo foi inimigo da maioria dos povos indígenas que está defendendo a floresta. Esse governo incentivou os brancos a desmatarem. A gente é a favor que o governo cumpra a lei. Temos um protocolo de consulta que deve ser respeitado”, afirmou Doto.

Agro é o principal interessado

A ferrovia, que vai baratear o transporte de grãos para exportação do Centro-Oeste para os portos do norte, passará a 50 km da Terra Indígena Baú, dos Kayapó Mekrãgnotí. E apesar de um compromisso assinado do Ministério da Infraestrutura, o projeto foi enviado ao Tribunal de Contas da União para aprovação sem consulta aos povos indígenas. Os impactos já são sentidos: entre o povo Munduruku, os portos de Miritituba têm sido entraves para a demarcação do território Sawré Muybu e a água já está sendo contaminada quando a soja e o milho são descarregados de caminhões para encher barcaças que seguem por rio para Santarém. A especulação imobiliária no entorno do traçado da ferrovia trouxe especulação imobiliária e o aumento de invasões dos territórios. E na TI Menkragnotí, também dos Kayapó, a soja já encosta nos limites.

O projeto da Ferrogrão foi paralisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por desafetar parte do Parque Nacional de Jamanxim, no Pará, através de Medida Provisória. Unidades de Conservação só podem ser reduzidas por lei. O Tribunal de Contas da União (TCU) também analisa o projeto para lançamento do edital para construção e exploração da ferrovia.

Segundo o advogado do Instituto Kabu, Melillo Dinis, o Instituto Kabu mobilizou o Ministério Público Federal (MPF) e diversas organizações para discutir o tema junto ao TCU.

O projeto só não foi votado pelo TCU no ano passado porque uma delegação de lideranças indígenas dos povos Kayapó e Munduruku esteve em Brasília com o ministro Aroldo Cedraz, relator do processo no TCU, e pediu que o processo fosse retirado de pauta até que os povos indígenas fossem ouvidos.

Coordenadora da Associação Indígena Pariri e Vice-Coordenadora da Federação de Povos Indígenas do Pará (Fepipa), Alessandra Munduruku fez um relato emocionado sobre as pressões econômicas que os territórios indígenas têm sofrido e as consequências diretas sofridas por eles, que vão desde violência a problemas de saúde trazidos por garimpos ilegais, produção agrícola com agrotóxico e desmatamentos na região. “Nós mulheres Mundukurus nunca vamos deixar de lutar pelo nosso território, nossa casa. Não é só uma ferrovia. É o aumento do desmatamento”, enfatizou.

“Os povos indígenas precisam do apoio do Congresso Nacional para não transformar a Ferrogrão no trem bala da devastação”, apelou Dinis.

Impacto ambiental

O estudo “Amazônia do futuro: o que esperar dos impactos socioambientais da Ferrogrão?”, produzido pelo Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aponta que a obra pode impactar quase 5 milhões de hectares de área protegida em municípios que já somam mais 1 milhão de hectares desmatados ilegalmente.

A deputada Federal Joênia Wapichana (Rede/RR), co-autora do requerimento que solicitou a audiência, lamentou o desrespeito às comunidades indígenas: “Os direitos fundamentais, o respeito à organização social e usufruto exclusivo já estão garantidos em lei. O Instituto Kabu tem avançado em termos de protocolo de consulta. Cada impacto tem que passar pelo crivo dos procedimentos legais”. Cotada para o ministério dos Povos Originários no governo eleito, Joênia garantiu que essa demanda será levada para o gabinete de Transição do Governo, do qual é integrante.

Presidindo a Audiência, a deputada Vivi Reis (PSOL/PA) lamentou a ausência da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Em 2017 a Agência se comprometeu a realizar a consulta prévia, livre e informada com os Kayapó, o que nunca se materializou.

O julgamento no plenário do STF, marcado para junho de 2022, foi adiado e não há previsão de quando voltará