A demarcação da Terra Indígena (TI) Menkragnoti aconteceu por causa de uma mulher. “O meu tio Raoni foi na aldeia Mekrãgnoti Velho e uma mulher, que nunca havia saído de lá, pediu a ele que ajudasse a demarcar a terra,” contou Megaron Txucarramãe, um dos anfitriões do Primeiro Encontro de Mulheres Mebêngôkré e Panará, realizado na aldeia Piaraçu, na Terra Indígena Capoto Jarina (MT).
Participam do evento mais de 160 mulheres, a maioria Mebêngôkré-Kayapó, mas também Panará e convidadas dos povos Tikuna, Trumai, Kayabi Kawaiwete, Waurá, Xavante, Yudja (conhecidos como Juruna), Tapayuna e Apiaká.
Respeitado cacique, Megaron abriu o segundo dia do encontro e compartilhou um pouco da história da demarcação do bloco Kayapó, no norte de Mato Grosso e sul do Pará. Segundo o cacique, Raoni ficou surpreso e quis saber como aquela mulher que não viajava e tinha pouco ou nenhum contato com o mundo exterior sabia o que era demarcação, entendia a importância de demarcar as terras e fazia este pedido a ele. “Muitas de vocês já foram à Brasília, viajam, conhecem o mundo do kuben (não-indígenas). Mas ela, nos anos 70, já ouvia pelos parentes que Raoni estava fazendo esforços para garantir os territórios”, disse Megaron.
E completou: “Meu tio Raoni foi para a Inglaterra e encontrou o príncipe, que hoje é rei. Ele foi com Sting [cantor britânico] para conseguir apoio para fazer o trabalho.” No final dos anos 1980, Sting, fundador da organização não-governamental Rainforest Foundation, percorreu vários países ao lado do cacique Raoni para apoiar a criação do Parque Nacional Alto Xingu.
No encontro, Megaron lembrou que as mulheres participantes ali presentes são filhas e netas das lideranças que ajudaram a percorrer e demarcar os territórios onde hoje está o bloco de terras Kayapó. São 12 milhões de hectares, localizados na bacia do Xingu, no norte de Mato Grosso e no sul do Pará.
A área Mebêngôkré-Kayapó está entre os últimos blocos de florestas contínuas do leste da Amazônia, a chamada Amazônia Oriental. “Lá atrás, essa mulher já se preocupava com a segurança dos filhos e netos. Foi a partir do pedido dela que houve a criação de um grande movimento e aconteceu a demarcação da Menkragnoti.”
Ele também lembrou do guerreiro do povo Panará Téssean, cuja filha está presente no encontro, que convenceu seus parentes a não guerrear mais com os Kayapó. O território Panará é vizinho ao dos Kayapó e a paz aconteceu depois do início da construção da BR-163, que afetou profundamente os dois povos, trazendo doenças, como o sarampo, e muitas mortes.
Megaron pediu que o Instituto Kabu, a Associação Floresta Protegida e o Instituto Raoni façam uma homenagem a Sting, que contribuiu muito para que a demarcação acontecesse, com campanhas que financiaram este esforço.
Encontro de gerações – O evento, além de ser uma oportunidade de garantir que as mulheres se expressem e tenham voz para reivindicar espaços normalmente ocupados por homens, foi além da agenda na segunda-feira (dia 10 de outubro).
As jovens tradutoras aproveitaram para se colocarem. Elas citaram críticas que sofrem por passarem longos períodos longe do cotidiano das aldeias enquanto estudam. E sentem que seu esforço para aprender dentro da lógica e da didática da sociedade não é valorizado. Elas sofrem discriminação nas escolas e nas cidades e muitas delas conhecem pouco o português antes de serem enviadas para estudar.
Primeira cacica da Terra Indígena Menkragnoti, Kokobá Mekrãgnotire, hoje chefia a aldeia onde o processo de demarcação da TI foi iniciado. Ela já é avó e levou uma neta pequena para o encontro. Ao ouvir as jovens, disse que “elas sofrem muitas críticas quando saem para estudar,” mas ressaltou que “isso não quer dizer que elas vão deixar de ser indígenas”.
Para Kokobá, “por muito tempo as mulheres não tiveram espaço para falar em público, não tinha políticas públicas voltadas a elas. Agora, com todas unidas, vamos somar forças e seremos mais fortes.”
Tuire Payakan, a liderança feminina mais velha do povo Kayapó, foi a primeira a demonstrar apoio aos jovens que querem participar da luta pela preservação da cultura e dos territórios se apropriando do conhecimento da sociedade envolvente e aprendendo a lutar com as armas dela: “Precisamos dos jovens para continuar nossa luta.”
Kokokangrô Metyktire , uma das jovens tradutoras Mebêngôkré resumiu o sentimento: “Estamos quebrando a cabeça para estudar e queremos ser ouvidas e respeitadas. A gente está lutando uma luta só.”