Líderes das três maiores associações Kayapó divulgam manifesto

As 104 lideranças do Instituto Kabu, Associação Floresta Protegida e Instituto Raoni que foram à Brasília representando mais de 6 mil Kayapó do norte de Mato Grosso e do sul do Pará assinam manifesto contra o pacote de projetos que retiram direitos indígenas
Líderes das três maiores associações Kayapó divulgam manifesto
25.06

Antes de retornarem às aldeias, onde também houve várias manifestações nas últimas semanas, as 104 lideranças das três grandes associações Kayapó – Instituto Kabu, Associação Floresta Protegida e Instituto Raoni – divulgaram uma carta aberta repudiando o PL 490, a Instrução Normativa conjunta da Funai e Ibama  (01/2021) que atropela o usufruto exclusivo dos indígenas em seu território garantido em cláusula pétrea da Constituição. E ainda o PL 191, que tenta regulamentar o garimpo e a mineração em territórios indígenas e o PL 177, que autoriza o presidente da República a retirar o Brasil da Convenção 169 da OIT – um tratado internacional criado justamente para assegurar o direito de consulta livre, prévia e informada dos indígenas sobre medidas que tenham impacto sobre suas vidas.

As lideranças que assinam a carta representam 60 aldeias e cerca de 6 mil Kayapó e afirmam no Manifesto Levante Pela Terra que nunca vão “desistir de defender os nossos direitos coletivos e territoriais”, lembrando que direitos conquistados não podem ser retirados.

Acampados por 10 dias em Brasília, enfrentando chuva e sol, os líderes explicaram na carta: “Estamos aqui para dizer que a terra indígena é nossa, de cada uma das etnias indígenas do Brasil. Somos contra o golpe que está sendo perpetuado contra os nossos direitos territoriais. Somos contra o genocídio que o governo está levando adiante, ao negligenciar o cuidado com a saúde da população e aproveitando-se dessa vulnerabilidade para ‘passar a boiada’, estimulando a invasão e a destruição de nossas florestas e colocando nossas riquezas à serviço do lucro de seus parceiros destruidores”.

Condenam ainda a violência desproporcional por parte da polícia nos protestos nas imediações  e ataques sofridos por deputados após o confronto: “Repudiamos ainda aquelas falas racistas, preconceituosas de parlamentares anti-indígenas que se referiram a nós com termos preconceituosos, acusando-nos de incitar a violência quando na verdade os caciques de nosso povo pediram insistentemente para que a brutalidade policial fosse interrompida”.

Leia aqui o Manifesto na Íntegra:

Manifesto do Povo Mẽbêngôkre-Kayapó no Levante Pela Terra

Nós, 104 lideranças do Povo Mẽbêngôkre-Kayapó representantes de 60 aldeias e cerca de 6 mil indígenas das comunidades associadas ao Instituto Raoni, Instituto Kabu e Associação Floresta Protegida, presentes no Levante pela Terra entre os dias 13 e 24 de Junho de 2020 em Brasília, queremos deixar claro que estamos aqui para lutar e dizer que nunca vamos desistir de defender os nossos direitos coletivos e territoriais, e lembrar que nenhum de nossos direitos conquistados pode regredir. Estamos aqui para dizer que a terra indígena é nossa, de cada uma das etnias indígenas do Brasil. Somos contra o golpe que está sendo perpetuado contra os nossos direitos territoriais. Somos contra o genocídio que o governo está levando adiante, ao negligenciar o cuidado com a saúde da população e aproveitando-se dessa vulnerabilidade para “passar a boiada”, estimulando a invasão e a destruição de nossas florestas e colocando nossas riquezas à serviço do lucro de seus parceiros destruidores. Estamos aqui para dizer que nossa terra e nossos direitos são coletivos e não estão à venda.

Nós somos os povos originários desta terra, o nosso direito ao nosso território é anterior a qualquer governo e ao Estado brasileiro. O direito ao usufruto das riquezas em nossas terras é exclusivamente nosso. A posse de nossas terras é permanente e temos os nossos modos de vida e nossa própria maneira de ocupar tradicionalmente todos os nossos territórios. Isso é reconhecido, tanto pela Constituição Federal como por várias legislações anteriores.

Queremos as nossas terras conservadas e protegidas, sem garimpo, sem invasões nem grilagem, sem atividades produtivas poluidoras e predatórias. O poder público deve fiscalizar as nossas terras, para garantir a sua integridade e nos proteger das ameaças. Queremos nossas atividades produtivas sustentáveis valorizadas e promovidas.

O pacote de medidas legislativas que viemos enfrentar que estão em tramitação atualmente em diferentes instâncias ameaçam os aspectos mais viscerais de nossos direitos fundamentais e territoriais, a nossa autonomia, a nossa cultura, modo de vida e maneira de habitar o território.

Estamos aqui para reafirmar e dizer que não abrimos mão de nosso direito à consulta previsto na Convenção 169 da OIT e incorporado na nossa constituição. O PL 177 é inconstitucional, e viola nosso direito à consulta prévia, livre e informada.

Temos o direito à qualidade de vida, à saúde e ao meio ambiente equilibrado. Qualquer iniciativa que afeta nossas comunidades e territórios, precisa ser devidamente licenciada. E os impactos previstos precisam ser prevenidos, compensados e mitigados. Sofremos graves impactos em nossos territórios por grandes empreendimentos que lamentavelmente se instalam nas proximidades de nossos territórios. O PL 3729/2004, que aguarda tramitação no senado, procura fragilizar e automatizar o processo de licenciamento, reduzindo nossos direitos com medidas administrativas que favorecem os empreendedores e reduzem suas responsabilidades com os direitos humanos e o meio ambiente.

Somos contra o Marco Temporal, seja no contexto do julgamento no STF do caso da Terra Indígena Ibirama Laklanõ ou no caso do PL 490/2007. Em qualquer caso, o que se procura é limitar o direito a demarcação de terra somente para aqueles que tiveram a posse ou estiveram em ação judicial por seus territórios. Essa medida invisibiliza a violência que despejou muitos de nossos parentes e nós mesmos de nossos territórios de ocupação tradicional. O direito à demarcação não pode ter uma limitação temporal, porque nosso direito à terra é originário.

O PL 490/2007 é uma ameaça profunda a nossos nossos direitos territoriais. Todos os povos indígenas do Brasil, inclusive os que tem suas terras demarcadas e homologadas, estão ameaçados. O que está sendo proposto é uma mudança muito profunda no regime jurídico de nossas terras. O PL é uma proposta da bancada ruralista e do governo bolsonaro que procura inviabilizar demarcações, anular as já existentes e liberar nossas terras para empreendimentos predatórios. Procura inclusive reduzir terras demarcadas quando julgar que sua ocupação não é tradicional, atropelando nosso direito à diferença e territorialidade própria. Todos os territórios indígenas conquistados são ocupados de maneira legítima por nossos povos e nenhum pretexto pode limitar o nosso direito à terra.

O PL 191 quer colocar as nossas terras a disposição da exploração de seus recursos minerais, hidrocarbonetos, petróleo, gás natural, aproveitamento hídrico dos rios para geração de energia elétrica e outros grandes empreendimentos predatórios. Tudo isso sem respeitar os nossos direitos fundamentais, o nosso direito ao usufruto exclusivo das riquezas existentes em nossas terras e o direito à consulta livre, prévia e informada.

A Instrução Normativa Conjunta No 1 da Funai e do IBAMA também ataca o nosso direito ao usufruto exclusivo de nossas riquezas e favorece iniciativas produtivas de organizações que se fazem passar por nossas, mas que na verdade são organizações de não indígenas que querem lucrar com a exploração predatória dos recursos de nossos territórios.

Repudiamos veementemente a violência que ocorreu no dia 22 de Junho em meio a nosso protesto do Levante pela Terra no anexo II da Câmara dos Deputados durante a votação na plenária do PL 490/2007. Fomos atacados com bombas de gás e efeito moral, deixando vários feridos e alguns hospitalizados. Nada justifica essa truculência contra os povos indígenas. Não é assim que devemos ser recebidos na casa do povo para participar de uma decisão que diz respeito aos nossos territórios e às nossas vidas e sobre qual deveríamos ter sido consultados. Repudiamos ainda aquelas falas racistas, preconceituosas de parlamentares anti-indígenas que se referiram a nós com termos preconceituosos, acusando-nos de incitar a violência quando na verdade os caciques de nosso povo pediram insistentemente para que a brutalidade policial fosse interrompida.

Precisamos lembrar sempre que nós somos os povos originários desta terra, qualquer instituição que deseje incidir, governar e legislar naquilo que nos diz respeito nos deve consideração. Somos os primeiros brasileiros. Nossos direitos territoriais são anteriores a qualquer governo, a qualquer estado. Os nossos territórios são nossos por direito fundamental e independendem de qualquer reconhecimento formal. A produção mais valiosa da nossa terra é a proliferação da diversidade de vida na natureza, o cuidado do clima, da água e dos animais.

Nossa terra e nossos direitos são coletivos e não estão à venda!