A mobilização do Levante pela Terra enfrenta o risco da Covid para tentar barrar projetos em tramitação no Congresso Nacional que colocam em risco os povos indígenas e já conta com mais de 40 delegações e quase mil indígenas no gramado do Teatro Nacional.
O principal alvo do Levante é a retirada de pauta do PL 490/2007, que está tramitando na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e já passou por duas outras comissões, tendo sido rejeitado na de Direitos Humanos. O PL combina 13 outros que já tramitavam e cria um pacote de ameaças que transfere a palavra final sobre demarcações e homologações para o Congresso, podendo também anular demarcações já feitas, legalizar garimpos ilegais e abrir caminho para todo tipo de empreendimento comercial em Terras Indígenas, ferindo direitos garantidos na Constituição. Com maioria na Comissão, o governo estava pronto para aprová-lo na CCJ na última quarta-feira (16). Para impedir a deputada indígena Joênia Wapichana (Rede-RR) pediu vistas, adiando a votação para o dia 23 de junho.
O Levante deveria acabar nesta sexta (18), mas várias delegações, incluindo a dos Kayapó, decidiram ficar e continuar denunciando a violação de seus direitos no dia da votação.
“Não adianta protestar nas aldeias. Vamos ficar e protestar aqui,” disse a liderança Tuíra Kayapó, conhecida por estar à frente da luta contra a hidrelétrica de Kararaô, cujo projeto foi arquivado e anos depois levado à frente com o nome de Belo Monte.
O PL 490 e as consequências catastróficas que ele pode ter, se aprovado, não é a única ameaça que levou mais de 70 lideranças indígenas a viajarem de todo o Brasil e enfrentarem chuva e frio no acampamento próximo à Esplanada dos Ministérios em pela pandemia. Há ainda a Instrução Normativa 01/2021 conjunta da Funai e Ibama, que dispõe sobre o licenciamento ambiental de empreendimentos em Terras Indígenas e também abre caminho para rasgar a Constituição e permitir a entrada de garimpeiros e madeireiros legalmente dentro das TIs. E ainda o PL 191/2020, que regulamenta a mineração em Terras Indígenas e está numa lista de 35 prioridades do governo federal enviadas ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
“Como o governo quer acabar com nossos direitos, estamos aqui para defender e para não deixar. Para defender o nosso futuro e as novas gerações,” resumiu Doto Takak-Ire, Relações Públicas do Instituto Kabu, que vem tentando com outras lideranças ser recebido pelos presidentes da Câmara e do Senado.
Desde o início da gestão do presidente Jair Bolsonaro, os povos indígenas têm enfrentado ataques constantes a seus territórios, direitos e suas vidas. Com a pandemia da COVID-19 e a mudança nas cúpulas do Congresso no início do ano, alinhadas ao governo, o cenário só piorou.
Esta semana, os cinco indígenas que participaram de uma audiência pública na Câmara para discutir as ameaças, esperaram em vão pelo presidente da Funai, Marcelo Xavier da Silva, que enviou um procurador do órgão, enquanto articulava na CCJ a aprovação do PL 490. Ele saiu de helicóptero da sede da Funai no dia em que o protesto foi realizado em frente ao órgão.
Toda a movimentação em Brasília vem sendo registrada e divulgada em tempo real por vários comunicadores indígenas. A Rede de Comunicadores do Xingu está presente com quatro representantes: Pho Yre Karopi, Ô-é Paiakan, Mitã Xipaya e Bemok Txucarramae.
Judiciário – Outro ponto importante da pauta de mobilização é a retomada do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que pode definir o destino das demarcações de terras indígenas em todo o Brasil. Dessa vez, quem pediu vistas foi o ministro Alexandre de Moraes.
Os indígenas querem que o julgamento seja retomado e que os ministros rejeitem a tese do Marco Temporal, segundo a qual apenas os povos que estavam em territórios tradicionais no ano da promulgação da Constituição de 1988 têm direito às suas terras. Foi apenas a partir da redemocratização e da constituição cidadã que os indígenas ganharam o usufruto de seus territórios.
Estão em Brasília representantes dos povos Avá Guarani, Canoe, Cinta Larga, Guajajára, Guarani Mbya, Guarani Nhandeva, Imboré, Juruna, Kaingang, Kamakã, Karipuna, Karitiana, Kayapó, Krenak, Macurap, Macuxi, Matupi , Munduruku, Paiter suruí, Panará, Pankará, Pataxó , Pataxó Hã-Hã-Hãe, Sarapá, Tapajó, Terena, Tiriyó, Tukano, Tupari, Tupi Guarani, Tupinambá, Tuxá, Uru eu wau wau, Wapichana, Xarrui, Xokleng e Yanomami. A delegação Munduruku chegou escoltada pela polícia, já que garimpeiros ilegais tentaram impedir a saída deles das aldeias, furando os pneus do ônibus e ameaçando as lideranças.
Parentes que não puderam ir à Brasília apoiaram a mobilização de suas aldeias, como foi o caso dos Panará, que fizeram vídeos e fotos com cartazes contrários aos projetos em tramitação.