A Funai mais uma vez fracassou em oferecer uma proposta para acelerar a renovação do Plano Básico Ambiental (PBA), expirado desde dezembro e que deveria ter sido negociado e discutido em 2019.
A Funai insistiu em arrastar a conclusão até dezembro de 2020 por razões “operacionais”, como colocou o diretor de Promoção e Desenvolvimento Sustentável, João Pinto Rosa, em reunião virtual com as lideranças na última quarta-feira (27). Rosa é o mesmo que questionou a presença de um consultor do Kabu na reunião anterior (24/08) afirmando: “Você nem devia estar aqui”, antes de demonstrar que não conhecia o processo, nem a contraproposta Kayapó de reduzir o prazo de renovação do PBA para 30 dias, admitindo ainda que desconhecia a data da reunião de conciliação na Justiça Federal, ocorrida naquele mesmo dia.
Sem a apresentação de uma nova proposta por parte da Funai, os indígenas encerraram a reunião e voltaram para as aldeias à espera da decisão da juíza federal Maria Carolina Valente do Carmo, na Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal de Altamira, município onde se encontram a maior parte das duas Terras Indígenas.
A situação dos indígenas e da licença que permite o funcionamento da BR-163 (Cuiabá-Santarém) estão agora nas mãos da juíza, que irá decidir se União, DNIT, Funai e Ibama descumpriram as obrigações que condicionam a outorga da licença ambiental para a rodovia, entre elas o financiamento e implementação do PBA, que reduz os impactos da rodovia sobre os Kayapó.
Os atrasos nos repasses paralisaram cinco dos seis sub-programas de mitigação de impactos. Hoje, os Kayapó estão apenas implementando o monitoramento das terras indígenas Baú e Menkragnoti, ameaçadas por invasões de garimpeiros, madeireiros, pescadores e caçadores ilegais, além de fazendeiros que ameaçam avançar dentro dos territórios.
Os projetos implementados pela associação indígena Instituto Kabu garantem ainda alternativa de renda, educação ambiental, descarte de resíduos sólidos e segurança alimentar, além da proteção do território.
A liberação dos repasses referentes ao primeiro semestre de 2020 dentro de um PBA emergencial para que houvesse tempo de elaborar e avaliar o Plano do novo ciclo 2020-2024, só foram liberados na semana passada, três dias depois do início dos protestos dos indígenas, que bloquearam a BR-163 no dia 17 de agosto.
Sem acordo, desde 01 de julho não há plano de trabalho dentro do PBA a ser implementado e oficialmente o Instituto Kabu não tem verbas do PBA a receber.
O PBA 2020-2024 está desde março sendo avaliado pela Funai e foi elaborado pelos indígenas com apoio de técnicos, com base na experiência de 10 anos do Instituto Kabu de implementar as ações de redução dos impactos. As avaliações realizadas até agora ignoraram pareceres técnicos de antropólogos e os resultados alcançados: 0,01% de desmatamento acumulado na Ti Baú e 0,02% na TI Menkragnoti, contra 15,8% num raio de 100km no entorno das duas Terras Indígenas. Os impactos têm sido bem maiores do que os previstos quando o licenciamento foi concedido.
Os questionamentos do DNIT e da Funai em relação aos custos não levam em conta o tamanho da tarefa de manter a vigilância e conter o assédio de madeireiros e garimpeiros sobre os indígenas no atual cenário. Altamira é o município amazônico com o maior número de focos de queimadas este ano e Novo Progresso está em terceiro lugar, de acordo com dados do Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Na ação, procuradores federais do Pará questionam o papel assumido pela atual direção da Funai de substituir o empreendedor (DNIT) na discussão do PBA, quando deveria analisá-lo do ponto de vista da redução dos impactos.
O cacique-geral, Beprontti Kayapó disse após a reunião: “A Funai sempre enrola, o governo sempre enrola. Se o governo quer acabar com o PBA, acabe, mas a nossa ONG, o Instituto Kabu vai continuar existindo”.